segunda-feira, 20 de junho de 2016

CONSULTÓRIO: Sem regras, nem direção!

(texto escrito por Inês Custódio, psicóloga na Oficina de Psicologia)

Foto: Pinterest 
Por vezes é como se vivêssemos um paradigma completamente diferente do passado no
que toca à educação das nossas crianças. Ouvimos falar de liberdade, desejos, amor, carinho, espaço e tempo para crescer, para brincar…Ingredientes fundamentais para que qualquer criança cresça feliz e mais adaptada, mas talvez não os únicos. A verdade é que, por vezes, passamos para uma forma de educação tão focada nos desejos e necessidades da criança que, por ser difícil ou por não termos o devido tempo e paciência, descuramos nas regras. 

Porquê educar as crianças para as regras?

Colocamos regras porque elas são fundamentais para o desenvolvimento da criança e constituem uma das necessidades mais básicas que estas têm (mesmo que não o consigam expressar).

Sabia que o nosso cérebro vem predisposto a armazenar um sem número de regras? Por um simples motivo, porque isso é organizador para nós!

As regras (ditas por outros ou apreendidas por nós através da experiência) dão-nos “balizas” sobre o que são comportamentos adequados ou desadequados, sabemos até onde podemos ir nas relações sociais, integramo-nos melhor, estamos mais protegidos, sabemos evitar situações de perigo, estamos mais organizados mentalmente e mais motivados, porque sabemos um sem número de regras. Por isso aprendemos regras até morrer, porque em cada contexto novo o nosso cérebro tem que se adaptar e saber com que limites pode contar.

Qual é o problema de não ter regras suficientes?

Não poder contar com a orientação dos pais no que diz respeito às regras dificulta a vida de qualquer criança (ao contrário do que poderia parecer), como sinal disto podemos observar alguns sinais.

Podemos ver as crianças mais desorganizadas a nível comportamental, sem saber o que fazer, como fazer, sentem-se perdidas no tempo e no espaço (p.e. quando há ausência de limite no tempo para brincar com jogos eletrónicos e a hora de ir deitar, as criança arrasta estas atividades e fica mais rabugenta, sem saber o que fazer a seguir, será que cede ao que o corpo quer ou continua a resistir?). Podem também estar mais desorganizadas emocionalmente, porque as regras ensinam também uma série de comportamentos de conduta ou de regulação das emoções (p.e. quando ensinamos que não pode dar pontapés a tudo o que causa frustração à criança, estamos a ajudá-la a parar um pouco e a ganhar controlo sobre si).

Assistimos também a crianças com alguma dificuldade em se adaptarem aos padrões e regras escolares, causando-lhes muita confusão e até revolta por, de repente, terem de cumprir tantas normas “sem sentido” para elas.

Para além disto, com o passar do tempo poderemos estar a criar crianças com baixa tolerância à frustração, uma vez que as regras permitem que desde cedo a criança lide com momentos, onde mesmo não tendo muita vontade, tem de cumprir algo. Esta contrariedade permite-lhe ir lidando com pequenas doses de frustração que a deixaram mais preparada para os grandes dissabores que a vida possa trazer.

Finalmente, e devido a tudo isto, sem regras as crianças têm espaço para criar as suas próprias regras desadequadas (p.e. “se eu chorar tenho o que quero”, “os outros brincam sempre ao que que eu quero”, “eu ganho sempre…”) e têm mais dificuldades a nível das relações, pois até as relações entre amigos têm regras (não explicitas, mas ainda assim regras), como por exemplo “umas vezes ganhas tu e outras eu”, “eu ajudo, mas tu também me ajudas”, “podes brincar comigo até um certo limite…”.

Qual o perigo de colocarmos regras a mais?

Importante é não cair no extremo oposto, onde tudo tem uma regra, onde todos os momentos da vida da criança são “controlados” de alguma forma, por regras rígidas e inflexíveis. Neste extremo, pode acontecer a criança ficar muito dependente destas regras e ter pouca flexibilidade para lidar com imprevistos. As regras dão-nos segurança quando na dose certa, em excesso poderão passar a mensagem de que o mundo é um lugar demasiado perigoso onde temos de ter muito cuidado.

Para além disto, a nível social também é sempre importante uma dose de improviso e flexibilidade perante comportamentos ou atitudes dos outros, que neste caso poderá ser mais difícil, uma vez que o “código interno de regras” pode ser tão rígido. Deixamos assim a criança sem espaço para ser criativa, imaginativa e flexível.

Nem muito, nem pouco, na dose certa.

Se pensarmos as regras como uma forma de ajudar a criança a ter alguma organização e estabilidade no mundo, penso que temos metade do trabalho feito sobre quais as regras que devemos ou não colocar em casa, na escola ou em qualquer contexto.

Por isso é importante termos algumas regras básicas, relacionadas com a saúde física da crianças: p.e. horas de dormir, de comer, do banho, do vestir… E outras relacionadas com regras de conduta: p.e. arrumar os brinquedos, não bater, dizer obrigado, respeitar um pedido da mãe … Mas na dose certa, com alguns momentos onde há mais regras (p.e. a hora do banho ou do comer) e outros onde há menos (p.e. na brincadeira). Depois vamos dando tempo e espaço para a criança as ir assimilando e nós damos o devido apoio, relembramos, somos consistentes e nós mesmos damos o exemplo!

Inês Custódio

Psicóloga Clínica na Oficina de Psicologia

2 comentários:

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    1. Sofiazinha, sem querer eliminei o comentário em que chamava a atenção para um "erro ortográfico". Não foi propositado e, se quiser, volte a escrever que eu publico. Seja como for, o erro (na palavra cede) já foi corrigido e agradeço o seu cuidado. Contudo, não creio que se tenha tratado de um erro, como referiu, mas sim de uma gafe ou, quanto muito, passou ao lado. Estou certa que a autora sabe conjugar o verbo "ceder" e distingui-lo da palavra "sede" :) beijinhos (eu própria sei a diferença, acredite, li o texto antes de o publicar e também me passou ao lado. Acontece. Atualizo o blog à noite, já depois de um looongo dia, e o cansaço não ajuda). bjs

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