terça-feira, 19 de janeiro de 2016

CONSULTÓRIO: E se os filhos fossem perfeitos?

Texto escrito por Cecília Santos, Psicóloga Clínica da Oficina de Psicologia)
Foto Pinterest
Um dia a Sara, uma menina de 10 anos, decidiu partilhar um dos seus pensamentos que há algum tempo a magoava: “Porque é que o meu pai e a minha mãe me estão sempre a comparar com os meus amigos, quando eu não faço isso com eles? Como é que eles se sentiriam se eu os comparasse com os pais “fixes” dos meus amigos?”

Pequena Sara,

A maioria das pessoas que planeia ser pai ou mãe, mesmo antes dos seus filhos nascerem, cria um conjunto de representações acerca de como será o seu filho. Neste processo, geram-se expectativas sobre este novo ser que irá nascer… não apenas de como será em bebé, mas também como será em criança, ou até mesmo na idade adulta.

Colocam-se questões como: Será parecido com a mãe ou com o pai? Com algum familiar? Quais serão os brinquedos que ele mais gostará? Gostará de música clássica, jazz, rock? Como serão os amigos dele? Será um bom aluno? Que profissão ele terá?

E cada pai, e cada mãe vai dando a resposta a cada questão anterior, um pouco à sua maneira.

Quando finalmente o bebé nasce, e à medida que ele vai crescendo e se torna cada vez mais autónomo, de bebé a criança, de criança a adolescente, e assim sucessivamente, de um modo quase automático, fazem-se comparações diárias. E se observarmos com atenção, parte dessas avaliações e comparações têm muito a ver com a forma como os pais idealizam o crescimento dos seus filhos, com as expectativas que cada um já trazia dentro de si.

Pequena Sara,

Sei que pode parecer estranho, e inicialmente até pode ser difícil de compreender, mas muitos pais têm esse comportamento com a melhor das intenções e porque as pessoas que os rodeiam também foram contribuindo para que eles se comportassem assim.

Hoje, diz-se que a sociedade é cada vez mais competitiva entre si, e esperam sempre que cada um de nós se esforce para dar o seu melhor (esquecem-se que não somos robots!). Os pais quando fazem comparações como: “os filhos da Graça já arrumam o quarto sozinhos e eu nunca te vi arrumar o teu”, ou ainda, “ “A mãe da Olívia contou-me que ela não tirou nenhuma negativa porque estudou todos os dias.”, julgam estar a motivar os filhos para uma mudança positiva (e em alguns casos, pode funcionar!). Mas com toda esta vontade de querer o melhor para os seus filhos, por vezes esquecem-se de com estas “avaliações e comparações” podem ter um efeito inverso.

Este foco constante na comparação com os outros, também pode trazer muitas vezes preocupações exageradas, porque se esquecem de como todos somos diferentes, de como cada um tem o seu próprio ritmo de crescimento, esquecem-se das necessidades não só de cada criança, como de cada família.

Certamente, em alguns momentos, é quase que inevitável comparar crianças, adolescentes ou até mesmo adultos, e vou explicar porquê.

Existem alguns marcadores desenvolvimentais que nos permitem perceber, de um modo global, se o nosso desenvolvimento físico, cognitivo e psicossocial se encontra dentro daquilo que é considerado saudável em termos de evolução. E, nestes casos, tem que se avaliar e comparar com aquilo que a investigação científica de várias áreas tem demonstrado tratar-se de um desenvolvimento saudável, do ponto de vista físico e mental.

Pequena Sara,

Vamos explicar a todos os pais que é fundamental compreendermos e aceitarmos que não existe uma forma única de ser e que nem todas as aprendizagens que se expressam através de determinados comportamentos, nem todas características pessoais são mensuráveis, e que o desenvolvimento é um processo dinâmico, não é estático, e feito de progressos e retrocessos. Também aqui o comportamento daqueles que nos rodeiam é fundamental para sermos estimulados em diversos domínios do nosso desenvolvimento.

E ainda bem que todos somos diferentes, porque são essas diferenças que nos tornam seres únicos, e é através delas que percebemos que num todo existe espaço para o igual, mas também existe espaço para o diferente.

E se os filhos fossem perfeitos?

Eles seriam apenas representações mentais traiçoeiras, porque a perfeição absoluta não existe. Se procurarmos centrar a atenção na forma única de cada filho(a) ser, com todas as suas particularidades, com tudo aquilo que cada um faz de bom, ou menos bom, com aquilo que cada um pode melhorar ou não melhorar, a preocupação em torno da perfeição seria muito menor, e preocupações e pensamentos como os da pequena Sara que magoam, gradualmente passariam a estar menos presente na vida de cada um.

Cecília Santos
Psicóloga Clínica
Oficina de Psicologia


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